DOCUMENTOS DA POLÍCIA FEDERAL ados pela Repórter Brasil revelam que Debs Antônio Rosa, sojeiro preso em maio durante a Operação Imperium Fictum, chefiava um esquema de grilagem de terras públicas no Pará, com uso de processos forjados no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e registros de terras fantasmas. Segundo os investigadores, o grupo acumulou um patrimônio superior a R$ 1 bilhão.
Debs já havia sido tema de reportagem da Repórter Brasil, de agosto de 2024, que mostrou sua ascensão de condenado por ser mandante do assassinato de um sem-terra a fazendeiro influente e prestigiado por políticos locais. Agora, documentos da PF detalham os mecanismos que estariam sustentando essa trajetória: fraudes fundiárias, uso de laranjas, documentos falsos e financiamentos rurais milionários com garantias inexistentes.

A estrutura da organização envolve núcleos especializados, com participação de familiares próximos, servidores de cartórios, intermediários e testas de ferro. O esquema, segundo a PF, burlava o Incra, simulava registros em áreas públicas e transformava essas terras em ativos financeiros, posteriormente comercializados. Tudo servia para sustentar um estilo de vida incompatível com a renda declarada de seus integrantes.
A Operação Imperium Fictum, deflagrada pela Polícia Federal em 21 de maio, cumpriu 39 mandados de busca e apreensão e nove de prisão preventiva em nove estados, incluindo Pará, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. As ordens foram autorizadas pela 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Pará.
Como funcionava o esquema?
A fraude seguiu várias etapas. Começava com a criação de processos istrativos fictícios, atribuídos a supostos beneficiários da reforma agrária. Um laudo técnico apontou que, em um dos casos, uma unidade do Incra que sequer existe teria emitido 95 mil processos em um ano. Algo “estatisticamente impossível”, segundo a PF.
Os documentos vinham acompanhados de selos, s e portarias incompatíveis com os arquivos oficiais. Depois, os dados eram inseridos no SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural), permitindo a vinculação de imóveis falsos a Fs e CNPJs de laranjas. Na prática, criava-se uma aparência de legalidade para terras inexistentes.
Segundo o delegado Thiago Silva de Miranda, responsável pelo inquérito, a fraude não visava apenas a posse da terra, mas sua conversão em ativo financeiro, conforme ele escreveu na representação enviada ao Judiciário. O esquema incluía lavagem de dinheiro, uso de nomes falsos e até criação de identidades paralelas, como no caso do próprio Debs, que usava dois Fs, sendo um deles com nome alterado, para ocultar patrimônio e evitar responsabilização criminal.
Com os registros forjados em mãos, o grupo lavrou escrituras em cartórios de municípios como Senador José Porfírio, Anapu e Aveiro, todos no Pará.
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Os imóveis inventados recebiam números de matrícula vinculados à Gleba Federal Belo Monte, uma área pública sob gestão do Incra, localizada na região de Anapu e ainda não regularizada. Os registros eram associados a nomes que não constavam no cadastro fundiário, usados como laranjas.
O Incra informou à PF que os processos apresentados pelos envolvidos traziam códigos de unidades internas inexistentes e s que não coincidiam com os registros da instituição.
Segundo a autarquia, a organização parecia ter o a documentos internos indisponíveis ao público, usados para simular regularizações fundiárias. O Incra enviou ofícios à oficial de registros de imóveis de Senador José Porfírio alertando sobre a fraude. Mas, mesmo assim, nenhuma providência foi tomada. Para a PF, essa omissão foi crucial para a continuidade do esquema.

A organização também utilizava a força para consolidar sua atuação. Um dos investigados, apontado como pistoleiro do grupo, é acusado de facilitar invasões de terra a mando da organização. Ele já tinha antecedentes por roubo e associação criminosa, e havia cumprido pena em duas ocasiões.
A lucratividade estava na transformação de terras públicas em ativos privados. Segundo a PF, as “propriedades fantasmas” eram vendidas a terceiros, usadas como garantia em empréstimos bancários ou apenas registradas para valorizar. Como não havia custo de aquisição, o lucro era praticamente integral.
As garantias forjadas foram usadas em instituições financeiras públicas e privadas. A Justiça determinou o bloqueio de R$ 275,8 milhões em bens. Mas a movimentação total do esquema, segundo os investigadores, ultraou os R$ 600 milhões.
Entre os bancos mais afetados estão o Banco Santander e a Caixa Econômica Federal, que liberaram mais de R$ 8,4 milhões em financiamentos com base em imóveis grilados. Os investigados frequentemente não pagavam os financiamentos e usavam endereços falsos para driblar ações judiciais. A PF estima que o patrimônio acumulado pelo grupo supere R$ 1 bilhão.
A Repórter Brasil tentou contato com a defesa de Debs. Seu antigo advogado, Rubens de Almeida Barros Júnior, disse que não o representa mais. O novo advogado foi procurado pelo número registrado na OAB, mas não atendeu às ligações. O espaço segue aberto para manifestação.
Farra, pinga e foguete

Os recursos do esquema também financiavam a ostentação do grupo criminoso, segundo a PF. Debs aparecia em vídeos ao lado de aviões e picapes de luxo. Em 2022, promoveu o “Show da Colheita” com a dupla sertaneja Bruno & Barretto, do hit “Farra, pinga e foguete”, em sua Fazenda Talismã, que, segundo a PF, ocupa uma área grilada.
Familiares de Debs atuavam no núcleo central. O filho dele foi preso preventivamente por envolvimento direto na fraude. O ex-sogro teria intermediado negócios fundiários fictícios. O ex-cunhado aparece vinculado a matrículas irregulares. A ex-mulher é citada como beneficiária de uma das propriedades. Funcionários da Fazenda Talismã também constam como envolvidos.
O Ministério Público Federal apoiou os pedidos da PF e destacou que o grupo agia de forma coordenada entre órgãos públicos e tabelionatos.

Investigado tem ficha policial extensa
Debs responde a dezenas de processos no Pará e Tocantins por homicídio qualificado, roubo, estelionato, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Na reportagem publicada em 2024, a Repórter Brasil revelou que Debs foi condenado pelo assassinato de José Nunes da Cruz e Silva, conhecido como Zé da Lapada, em 2015. O crime aconteceu no Lote 83, uma área de conflito agrário em Anapu. A vítima, um trabalhador rural sem terra, havia sido ameaçada dias antes por Debs, segundo o Ministério Público.
Debs foi preso preventivamente em 2016 e condenado a dez anos de prisão, mas obteve alvará de soltura e respondia ao processo em liberdade. Mesmo com acusações e condenações, continuava ampliando seus negócios com apoio institucional de prefeituras e políticos locais. Em 2022, disse em público ter se reunido com o governador Helder Barbalho (MDB).Ele também acusou, sem provas, o padre Amaro Lopes (sucessor da missionária Dorothy Stang assassinada em 2005) de extorsão. A denúncia foi usada como justificativa para a prisão temporária do padre em 2018, no auge da ofensiva de fazendeiros contra lideranças religiosas e movimentos sociais.
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A trajetória de Debs Antônio Rosa também foi tema do podcast RB Investiga sobre o “ogronegócio”. O episódio está disponível nas principais plataformas de áudio e também pode ser conferido em vídeo, no canal da Repórter Brasil no Youtube.
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