CONDENADO em primeira instância pelo assassinato de um trabalhador rural sem-terra em Anapu (PA), o fazendeiro Debs Antônio Rosa foi preso nesta quarta-feira (21) durante a Operação Imperium Fictum, da Polícia Federal. Conhecido por exibir plantações de soja nas redes sociais e por posar ao lado de políticos e empresários do agronegócio paraense, o fazendeiro agora é apontado como líder de um esquema de grilagem de terras públicas.
A investigação mira uma organização criminosa suspeita de envolvimento em grilagem de terras públicas, fraudes fundiárias e lavagem de dinheiro. A prisão ocorre nove meses após a Repórter Brasil publicar, com exclusividade, uma reportagem detalhando o histórico criminal de Debs, incluindo sua condenação por homicídio e seu envolvimento em conflitos fundiários na Amazônia.
A reportagem revelou que, mesmo após ter sido sentenciado como mandante do assassinato de um trabalhador rural, ele mantinha influência no agronegócio local. O fazendeiro posava para fotos com políticos, promovia festas de colheita com shows sertanejos, e mantinha presença ativa nas redes sociais.
Em seus perfis, ele exaltava a produção de soja da Fazenda Talismã, localizada às margens da Transamazônica, em Vitória do Xingu (PA). Um dos vários eventos realizados no local teve show da dupla sertaneja Bruno & Barreto, do hit “Farra, Pinga e Foguete”.

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Operação da PF cumpriu mandados em nove unidades da federação
Segundo nota divulgada pela Polícia Federal, Debs é um dos alvos de uma operação que cumpriu 39 mandados de busca e apreensão, além de nove mandados de prisão preventiva em diversos estados, incluindo Pará, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, São Paulo, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. A operação foi autorizada pela 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Pará.
Delegado da PF, Thiago Miranda afirmou durante entrevista a jornalistas em Altamira (PA) que a organização fraudava processos no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e falsificava escrituras para se apossar de terras da União.
Além disso, segundo o delegado, os suspeitos conseguiam financiamentos rurais fraudulentos com garantias baseadas em terras griladas. O esquema envolvia a corrupção de servidores e o conluio com ao menos cinco cartórios — o prejuízo estimado supera R$ 600 milhões.

Durante a operação, deflagrada após um ano e meio de investigações, foram bloqueadas fazendas de Debs nos municípios de Vitória do Xingu e Senador José Porfírio, além do sequestro de bens. Debs foi preso em Imperatriz (MA) e transferido para o Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu, onde também estão os demais presos da região.
De acordo com o advogado de Debs, Rubens de Almeida Barros Júnior, ele foi preso sob quatro acusações: venda de terra da União, formação de quadrilha, desmatamento ilegal e falsidade ideológica.
Além de Debs, sua ex-mulher, ex-sogro, ex-cunhado e funcionários também foram presos. O advogado afirmou que ainda não teve o aos autos do inquérito e descreveu seu cliente como “uma pessoa de bem”, que “batalha muito” e, “apesar de já ter tido problemas na Justiça, está respondendo em liberdade”.
Fazendeiro acusou, sem provas, sucessor de Dorothy Stang
Na reportagem publicada em 2024, a Repórter Brasil detalhou a trajetória de Debs desde os conflitos fundiários em Anapu, onde ele foi apontado como mandante do assassinato de José Nunes da Cruz e Silva, conhecido como Zé da Lapada, em 2015. O crime ocorreu no Lote 83, uma área de intensa disputa agrária e marcada por sucessivas ameaças e assassinatos de trabalhadores sem terra.
Segundo o Ministério Público Federal, Debs teria ameaçado Zé da Lapada poucos dias antes do crime. A vítima foi executada com tiros por dois homens de moto.

Pelo assassinato, Debs foi preso preventivamente em 2016 e condenado pelo Tribunal do Júri a dez anos de prisão, em regime fechado. Em 2023, no entanto, obteve alvará de soltura e respondia ao processo em liberdade. À época da reportagem, ele já havia sido preso outras vezes por crimes como porte ilegal de arma, estelionato e formação de quadrilha.
Apesar das acusações e condenações, Debs ampliava seus negócios e sua visibilidade. As atividades da Fazenda Talismã eram divulgadas com apoio institucional de prefeituras e lideranças políticas. Em uma festa de colheita em 2022, por exemplo, o fazendeiro mencionou ao microfone ter se encontrado com o governador Helder Barbalho (MDB).
O produtor também foi uma das vozes a acusar, sem apresentar provas, o padre Amaro Lopes, sucessor da missionária norte-americana Dorothy Stang em sua atuação pastoral, de extorsão. A acusação de Debs foi usada como justificativa para a prisão temporária do padre em 2018, no auge de uma campanha movida por fazendeiros e apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro contra líderes religiosos e movimentos sociais da região.
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A operação foi batizada de “Imperium Fictum” — expressão em latim que significa “poder falso” — em alusão à forma como os investigados simulavam legalidade para se apropriar de terras públicas. Segundo a PF, os mandados foram expedidos para preservar o patrimônio público e o sistema registral fundiário. O perfil da Fazenda Talismã seguia no ar até a tarde desta quarta-feira, com postagens recentes sobre colheitas e investimentos agropecuários. Nenhuma menção foi feita à prisão ou à operação policial.
A trajetória de Debs Antônio Rosa também foi tema do podcast RB Investiga sobre o “ogronegócio”. O episódio está disponível nas principais plataformas de áudio e também pode ser conferido em vídeo, no canal da Repórter Brasil no Youtube.
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