COM RENDIMENTO DE 52,5% somente nos quatro primeiros meses deste ano, um fundo de investimento do agronegócio da gestora SFI Investimentos inclui em seu portfólio ativos ligados a um grupo mato-grossense com histórico de desmatamento da Amazônia.
Os títulos de renda fixa atrelados às operações da Agropecuária Três Irmãos Bergamasco, com sede em Tapurah (MT), representam 36% do volume total investido pelo fundo em CRAs (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), títulos privados utilizados para financiar atividades do agronegócio. O CRA Três Irmãos é o maior investimento do fundo.
No seu mais recente relatório gerencial, de abril deste ano, a SFI Investimentos destaca que a Fazenda Três Irmãos, principal propriedade do grupo, opera com um “sistema de produção de alta tecnologia” e com “responsabilidade socioambiental”. Nessa mesma propriedade, órgãos ambientais veem identificando, desde 2015, a supressão ilegal de vegetação nativa.
Uma análise publicada pelo site especializado Infomoney coloca o SFI Investimentos do Agronegócio, gerenciado pela SFI Investimentos, como o Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagro) que mais rendeu entre janeiro e abril de 2025.
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O CRA da Três Irmãos também foi incorporado na carteira de investimentos do Fiagro Galápagos Recebíveis do Agronegócio, gerenciado pela Galápagos Capital. Esse Fiagro aparece em quarto lugar na lista dos que mais renderam, com 22,4% de retorno.
A lista dos Fiagros com maior rendimento foi produzida pela empresa Quantum Finance e considerou os 42 fundos listados na bolsa de valores do Brasil (B3) que geraram lucro desde janeiro.
Desde janeiro de 2022, parte das operações da Agropecuária Três Irmãos Bergamasco é financiada pela venda de títulos do mercado de capitais. A emissão desses títulos foi estruturada pela Reit Securitizadora, responsável por “transformar” as dívidas dos Bergamasco em títulos comercializáveis.
Histórico de autuações ambientais
José Osmar Bergamasco, um dos sócios do grupo, foi autuado pelo Ibama em junho de 2015 por queimar, sem autorização, 133 hectares na Fazenda Três Irmãos. O produtor foi multado em R$ 134 mil pelo órgão ambiental.
Essa autuação levou o Ministério Público do Mato Grosso (MPMT) a mover uma ação civil pública, em fevereiro de 2022, contra José Osmar, Luiz Antônio e Valter Mário Bergamasco, os três irmãos fundadores da Agropecuária Três Irmãos Bergamasco.
A Fazenda Três Irmãos também possui áreas embargadas por desmatamento ilegal identificadas pela Secretaria do Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema-MT). Os embargos foram registrados em nome da Agropecuária Três Irmãos Bergamasco em outubro de 2023. A Sema-MT identificou que um total de 74 hectares de vegetação nativa foram desmatados sem autorização em área de preservação da propriedade.
Em agosto de 2024, o MPMT denunciou a continuidade do desmatamento na área, apontada pela Sema-MT, e solicitou o embargo judicial das áreas desmatadas para evitar novas infrações e garantir a recuperação da vegetação. “Precisava destruir mais a floresta para a produção agrícola? Os volumosos hectares de área consolidada (…) não eram o bastante para gerar lucros?”, questionou o MPMT na ação, à qual a Repórter Brasil teve o.
Em sua defesa à época da abertura da ação, os advogados dos irmãos Bergamasco alegam que o desmatamento ocorrido em 2015 foi, na verdade, a queima de pasto em uma área de uso já consolidado, e não em uma área de vegetação nativa. O processo judicial segue em tramitação.
Além dos embargos em nome da empresa, a Sema-MT também registrou, em 2021, embargos na Fazenda Três Irmãos em nome dos irmãos Luiz Antonio Bergamasco e Valter Mário Bergamasco. Os desmatamentos identificados pelo órgão ocorreram em 2020.
A Repórter Brasil entrou em contato com a Agropecuária Três Irmãos Bergamasco e com o escritório de advocacia que representa os três irmãos na ação judicial, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem. A Reit Securitizadora e as companhias de investimentos SFI Investimentos e Galápagos Capital também não responderam às tentativas de contato. O espaço segue aberto para manifestações futuras.
Empresa está em recuperação judicial
O CRA Três Irmãos, que ofertou R$ 36 milhões em títulos com vencimento em 2027, é lastreado em R-Fs (Cédulas Financeiras do Produtor Rural), títulos pelos quais o produtor se compromete a realizar o pagamento futuro em dinheiro. De acordo com documentos dessa negociação, parte da Fazenda Três Irmãos, além do penhor da produção de soja do grupo, foram dados como garantia, em caso de inadimplência do pagamento aos investidores.
Em novembro de 2023, a Agropecuária Três Irmãos entrou em recuperação judicial, com dívidas que somam R$ 124 milhões. A Reit Securitizadora processou o grupo Bergamasco, para obter a posse da Fazenda Três Irmãos. No último dia (7), a Justiça decidiu que a propriedade irá a leilão.
Na tentativa de evitar a perda da propriedade, a Ex Lege, a judicial que representa a empresa na ação de recuperação, alegou que “toda a base produtiva do Grupo Valter Bergamasco está sediada na Fazenda Três Irmãos, tratando-se, inclusive, do principal estabelecimento do grupo recuperando”.
Especialista cobra transparência
A concessão de crédito rural para propriedades com embargos ambientais é vetada pelas regulamentações do Banco Central. Essas diretrizes, entretanto, não se aplicam aos títulos privados, como os CRAs, que são regulados por normas específicas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Uma resolução de 2023 da CVM apresenta critérios para a divulgação de “informações financeiras relacionadas à sustentabilidade” por parte de companhias abertas, fundos de investimento e empresas securitizadoras. Essa divulgação, no entanto, é de caráter voluntário.
Maria Eduarda Senna Mury, diretora de pesquisa jurídica e litígios da Harvest, organização que propõe ações legais contra mudanças climáticas, avalia que a transparência “é um gargalo muito grande do setor financeiro”.
No caso dos Fiagros, segundo Mury, as próprias plataformas dos fundos não detalham informações socioambientais relevantes sobre os CRAs. “Portanto, é possível que haja violações ambientais diretamente ligadas ao produtor que gerou a R-F que deu lastro ao CRA que irá compor o Fiagro, contaminando toda a cadeia”, ela explica.
É preciso uma normatização detalhada, avalia a consultora da Harvest. “As principais lacunas do setor estão na ausência de uma exigência legal explícita, detalhada e padronizada de due diligence ambiental específica para os CRAs e na falta de publicização de todas as informações de forma clara para o público geral”, afirma.
Em resposta aos questionamentos enviados pela Repórter Brasil, a CVM afirmou que é da companhia securitizadora a “responsabilidade por garantir a regularidade ambiental das emissões” e que, em caso de descumprimento, “as companhias securitizadoras estarão sujeitas à apuração de eventuais responsabilidades em processo de natureza sancionadora”. A autarquia não esclareceu, no entanto, quais seriam essas responsabilidades. A CVM também pontuou que está “permanentemente modernizando a regulamentação e supervisão” dos produtos e empresas que atuam no mercado de valores mobiliários brasileiro.
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