O INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) criou um grupo de trabalho para revisar cadastros de beneficiários da reforma agrária no Mato Grosso. A medida foi anunciada nesta terça-feira (20), dias após a Repórter Brasil revelar que nomes sem perfil compatível foram incluídos no Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá, no norte do estado.
Na semana ada, a Repórter Brasil revelou que uma influenciadora que ostenta artigos de luxo, uma servidora da Defensoria Pública do Estado e um fazendeiro processado pelo próprio Incra foram incluídos como beneficiários do assentamento em 27 de dezembro de 2024. A denúncia foi apresentada pela Assoplan (Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Planalto) à Defensoria Pública da União (DPU) e ao Ministério Público Federal (MPF).
Em nota, o Incra informou que a Superintendência Regional do Mato Grosso atuará “para a reparação de eventuais inconsistências no cadastro, com posterior exclusão de candidatos a beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária que não atendam os requisitos para homologação”, conforme prevê a Lei 8.629/1993. A legislação estabelece critérios como renda familiar de até três salários mínimos e proíbe a participação de servidores públicos e proprietários de terras.
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Influenciadora, servidora pública e fazendeiro processado pelo próprio Incra estão na lista
Entre os nomes citados está Michelle Zavodini, influenciadora que publica em suas redes sociais imagens em lanchas, aviões e festas com famosos. Irmã de um produtor rural do Mato Grosso e ex-funcionária da empresa da família, ela ou a atuar como influenciadora após o fechamento de uma escola infantil que mantinha na região. Segundo a denúncia encaminhada à DPU e ao MPF, seu padrão de vida não corresponde ao do perfil previsto para beneficiários da reforma agrária.

A servidora estadual Karen Torres, assessora jurídica da Defensoria Pública em Tangará da Serra (MT), também foi registrada como beneficiária do assentamento. Ela declarou, por mensagem, que não reside no local e que sua família ocupa um lote no Tapurah/Itanhangá “há muitos anos”.
Já Alex Stein Fortes, o terceiro nome incluído, responde a uma ação civil pública movida pelo Incra por suspeita de manter posse indireta e indevida de terra pública, com uso de intermediários (laranjas) e contratos simulados.Na semana ada, a autarquia havia informado que Michelle Zavodini e Alex Fortes estavam com os cadastros bloqueados – o da servidora Karen Torres, no entanto, permanecia ativo. Na nova nota, o Incra afirmou que os nomes bloqueados arão por análise técnica e que só terão o às políticas do programa, se forem efetivamente homologados.
A Assoplan, responsável pela denúncia que deu origem à apuração, afirma que acompanhará de forma “rigorosa e vigilante” todas as etapas da análise dos cadastros. Disse também que continuará denunciando nomes indevidamente inseridos ou mantidos no sistema e exigirá a correção de eventuais bloqueios considerados injustos.
70 família sem-terra estão à espera de lotes no assentamento
Um dos maiores do país, o assentamento Tapurah/Itanhangá foi criado em 1995 para atender mais de mil famílias em uma área de 115 mil hectares — equivalente ao município do Rio de Janeiro. No entanto, parte da área ou a ser ocupada por grandes lavouras de soja, em um contexto de disputas judiciais, denúncias de uso de laranjas e ameaças a famílias acampadas.
Cerca de 70 famílias seguem no acampamento Nova Aliança, onde vivem sob lonas há mais de uma década, à espera de o regular à terra. Algumas delas chegaram a ser sorteadas para receber lotes após decisão da Justiça Federal que determinou a retomada de áreas invadidas, mas ainda não tiveram a posse efetivada.

As terras do norte de Mato Grosso são valiosas. O assentamento está próximo de municípios como Sorriso, Campo Novo dos Parecis, Sapezal, Nova Ubiratã, Novo Mutum e Diamantino, todos entre os maiores produtores de soja do Brasil.Uma área de 100 hectares dentro do assentamento vale até R$ 3 milhões, segundo estimativa feita há quatro anos pelo MPF.
“Lotes grandes, planos e com altos índices de produtividade, gerando a cobiça de um sem número de produtores rurais e de políticos locais, todos dispostos ao uso da força para estender seus domínios sobre as terras dantes voltadas à implementação da reforma agrária”, descreve o MPF na ação civil pública que pede a reversão da posse dos lotes para o Incra.
As operações Terra Prometida (2010) e Theatrum (2016), da Polícia Federal, investigaram irregularidades. Mandados de busca e apreensão, além da detenção de diversas pessoas, revelaram um esquema que envolvia fazendeiros, políticos, sindicatos e servidores públicos.
Relatos de expulsões, ameaças e contratos forjados se acumularam ao longo dos anos. A Polícia Federal reuniu provas de que famílias eram coagidas a termos de desistência e que servidores do Incra atuavam para legitimar transferências dos lotes.
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