APÓS A REPÓRTER BRASIL revelar os planos do governo do Rio Grande do Sul e da empresa Scala para construir uma “cidade de data centers” em Eldorado do Sul, município devastado pelas enchentes de maio de 2024, o governo federal publicou uma portaria reconhecendo a viabilidade energética da primeira fase do empreendimento.
A norma, assinada pelo Ministério de Minas e Energia, também lista a infraestrutura que ainda precisaria ser construída pela empresa para a instalação do que seria a maior iniciativa do gênero na América Latina.
À época da reportagem, publicada em abril, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado informou que já havia levado ao governo federal a pauta de criação de um ambiente regulatório favorável aos data centers e à inteligência artificial. No entanto, não se manifestou sobre riscos ou impactos ambientais do empreendimento.
Atualmente, não há regras específicas para o licenciamento ambiental de data centers na legislação estadual do Rio Grande do Sul nem no âmbito federal. O governo também discute um marco legal específico, ainda inexistente. Esses empreendimentos demandam grandes volumes de energia e água, especialmente para resfriamento dos servidores, e a extensão do seu impacto ainda é desconhecida.
O Scala AI City é superlativo: o investimento inicial previsto é de R$ 3 bilhões, podendo alcançar até R$ 500 bilhões, segundo dados do governo estadual. Para efeito de comparação, o maior investimento privado da história do Rio Grande do Sul até então foi a expansão da fábrica de celulose da chilena CMPC, em 2024, que somou R$ 24 bilhões.
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Quando estiver em plena operação, o complexo da Scala deve atingir uma capacidade de 4,75 gigawatts (GW) em processamento. Trata-se de uma potência superior à da quarta maior hidrelétrica do Brasil, a usina de Jirau, no rio Madeira (RO), que gera 3,7 GW — energia suficiente para abastecer cerca de 40 milhões de pessoas.
Em nota à Repórter Brasil, a Scala afirmou que o consumo de eletricidade não afetará o abastecimento de Eldorado do Sul ou municípios vizinhos e que toda a energia utilizada será 100% renovável e certificada. A empresa, porém, não informou de onde exatamente virá a eletricidade que abastecerá o megacomplexo.
Embora ainda não possua regras claras para o licenciamento ambiental desses empreendimentos, o Brasil vem se posicionando como “a nova fronteira” do setor de data centers. No caso da Scala AI City, uma lei municipal foi criada sob medida para o projeto, permitindo um licenciamento “simplificado e autodeclaratório”.
Em viagem aos Estados Unidos no início de maio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a intenção do governo federal de acelerar a desoneração de bens de capital, máquinas e equipamentos relacionados a data centers. A medida anteciparia efeitos da reforma tributária para o setor e fará parte do futuro Plano Nacional de Data Centers (Redata).
No dia 7 de maio, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) protocolou um pedido de o à minuta do Redata, anunciada por Haddad durante a viagem. A solicitação foi enviada aos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Em resposta, a Secretaria de Desenvolvimento Industrial do MDIC afirmou que o documento ainda é um “ato preparatório, cujo o ao público é permitido somente após a edição do respectivo ato ou decisão”.
O Idec contestou a justificativa. “Já vimos esse tipo de argumento ser usado para esconder documentos, mas especialmente nesse caso é ainda mais absurdo, já que materiais já foram apresentados para executivos de empresas estrangeiras, mas não para a própria população brasileira”, afirmou a organização.
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