Trabalho Escravo

Com membros na Lista Suja, Cooxupé negocia empréstimo ‘verde’ com banco holandês

Maior cooperativa de café do mundo pode receber US$ 30 milhões do Banco de Desenvolvimento Holandês; negociação ocorreu após flagrantes de trabalho escravo em quatro cooperados
Por Daniela Penha e Poliana Dallabrida | Edição Bruna Borges
 16/04/2025

A COOXUPÉ (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé), que teve quatro cooperados incluídos na última atualização da Lista Suja do trabalho escravo, busca um financiamento de US$ 30 milhões com o FMO (Banco de Desenvolvimento Holandês). Ainda em fase de negociação contratual, o empréstimo, se aprovado, deverá ser usado para que a cooperativa possa adquirir, armazenar e comercializar café certificado pelo padrão Rainforest Alliance. A negociação entre FMO e Cooxupé ocorre desde agosto de 2024. 

Com o slogan “Banking for a better world” (“Banco para um mundo melhor”, na tradução para o português), o banco de fomento holandês recebe recursos públicos e privados e é supervisionado pelo DNB (Banco Central Holandês).  Segundo o FMO, o financiamento para a Cooxupé “tem um selo 100% verde e, potencialmente, um selo 100% de redução de desigualdades”. 

“O primeiro item da lista de exclusão do FMO é trabalho escravo. Esses casos mostram que o banco não opera dentro da sua missão de ajudar o desenvolvimento sustentável, já que está financiando grandes empresas e priorizando o lucro”, analisa Merel van der Mark, coordenadora da Coalizão Florestas & Finanças, plataforma que analisa os financiamentos potencialmente causadores de danos socioambientais.

Para ela, cabe ao governo holandês a fiscalização dos recursos. “O Estado é o acionista majoritário, então tem o dever de garantir que esse dinheiro está sendo bem empregado, que as políticas estão sendo implementadas devidamente. E isso não está acontecendo”, reitera.

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Questionado, o FMO informou que ainda está em negociação com a cooperativa e que “as condições de trabalho nas fazendas da Cooxupé continuam sendo um tema crítico e recorrente nas discussões”. O banco informou também que, caso cheguem a um acordo com a Cooxupé, pretende “incluir assistência técnica para ajudar a fortalecer o programa já existente de monitoramento das condições de trabalho entre seus fornecedores”. 

A Cooxupé disse não comentar “temas e objetos de negociações em andamento” e reforçou que “possui um Programa de Integridade consolidado, comunicado amplamente aos seus públicos internos e externos e que define boas práticas trabalhistas e de respeito aos Direitos Humanos”. 

Os posicionamentos completos podem ser lidos aqui.

Da Cooxupé para o mundo

Entre as empresas que compraram café da Cooxupé entre 2024 e 2025, anos subsequentes aos flagrantes de trabalho escravo, estão as multinacionais Volcafe, Louis Dreyfus e NKG, de acordo com dados alfandegários ados pela Repórter Brasil. Essas empresas adquirem os grãos de café ainda verdes nos países produtores e exportam para clientes que irão fazer a torra e comércio final da bebida.

Questionadas pela Repórter Brasil, a Volcafe não mencionou os casos específicos apresentados pela reportagem e afirmou que iniciou um processo de investigação interna para “entender os detalhes desse assunto e a natureza das alegações que estão sendo feitas”. 

A LDC (Louis Dreyfus Company) afirmou não ter relação comercial direta com os produtores mencionados e que a Cooxupé garantiu que o café fornecido à LDC não foi recebido das propriedades flagradas com trabalho escravo.

A NKG, grupo alemão considerado o maior comprador de café verde do mundo, também disse que não compra café diretamente dos quatro produtores incluídos no cadastro. Em nota, a empresa afirmou que foi informada pela Cooxupé de que a produção das quatro fazendas também não foi enviada para outras subsidiárias do grupo. 

As respostas das empresas na íntegra podem ser lidas aqui.

Relações com grandes marcas

Além de cooperado da Cooxupé, o produtor Lene Francisco Vilela da Silva, um dos cafeicultores incluídos na última atualização da Lista Suja, também era fornecedor da Exportadora de Café Guaxupé. É o que mostram notas fiscais anexadas ao relatório de fiscalização do caso, ao qual a Repórter Brasil teve o. A empresa exporta o grão para clientes como Melitta, Lavazza, JDE (dona da marca L’OR) e Starbucks, segundo registros de exportação ados pela reportagem. 

Em resposta à Repórter Brasil, o grupo Melitta afirmou que não comprou café da fazenda Ouro Verde e que a Exportadora de Café Guaxupé, com quem mantém um “relacionamento comercial confiável”, visita e audita regularmente seus fornecedores, realizando também a verificação da Lista Suja. 

A italiana Lavazza afirmou que mantém uma relação comercial com a Exportadora de Café Guaxupé desde os 1960 e que a empresa “é um dos nossos fornecedores de café mais históricos e confiáveis”. Segundo a Lavazza, a empresa brasileira garantiu que rastreou todo o café adquirido da Fazenda Ouro Verde e que ele não foi enviado para a Lavazza.

A JDE também negou ter recebido café da propriedade. “Para garantir nosso compromisso com práticas regulares, temos procedimentos de due diligence em vigor para avaliar e monitorar nossos fornecedores, incluindo medidas para evitar trabalho forçado ou escravo”, disse a empresa.

Após a publicação da reportagem, a Starbucks afirmou que a Fazenda Ouro Verde não tem histórico de participação no C.A.F.E. Practices, o programa de verificação de aquisição ética de café da multinacional. “A Exportadora de café Guaxupe é um exportador regular para a Starbucks; no entanto, só adquirimos café verde dessa entidade que tenha sido verificado por meio do C.A.F.E. Practices”, complementou a companhia. Leia todas as respostas na íntegra aqui.

A Exportadora de Café Guaxupé não respondeu aos questionamentos da Repórter Brasil até o fechamento deste texto.

NOTA DA REDAÇÃO: Este texto foi alterado dia 17/04 às 9h35 para incluir o posicionamento da Starbucks, enviado após a publicação da reportagem.

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A Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé), que teve quatro cooperados incluídos na última atualização da Lista Suja do trabalho escravo, busca um financiamento de US$ 30 milhões com o FMO (Banco de Desenvolvimento Holandês) (Foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil)
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