INVESTIGADOS por envolvimento com garimpo ilegal de ouro e pressionados por processos judiciais, empresários brasileiros estão expandindo seus negócios para a Guiana, país vizinho cuja legislação é uma das mais permissivas na América do Sul para a mineração em terras indígenas e áreas florestais protegidas.
Dois dos principais nomes dessa nova frente do garimpo são Rodrigo Martins de Mello, conhecido como Rodrigo Cataratas — empresário de Roraima, réu por crimes ambientais e por integrar organização criminosa — e Roberto Katsuda, paulista citado em operações da PF (Polícia Federal) por envolvimento na lavagem de dinheiro oriundo do ouro ilegal. Katsuda fez fortuna vendendo escavadeiras da Hyundai utilizadas em garimpos dentro de terras indígenas na Amazônia.

Alisson Marugal, procurador do MPF (Ministério Público Federal) de Roraima, atribui a migração dos empresários do garimpo para o país vizinho às operações do governo federal para desintrusão (retirada de ocupantes irregulares) de territórios indígenas. Desde o início do terceiro governo Lula (PT), foram realizadas sete operações em diferentes territórios.
A primeira aconteceu na TI Yanomami, iniciada em 2023. Somente no ano ado, as forças de segurança destruíram 1.063 motores e inutilizaram 26 aeronaves utilizadas para o transporte de equipamentos e insumos.
“Não está compensando mais operar na Terra Indígena Yanomami”, afirma Marugal. “Recebemos informação do setor de inteligência que um dos últimos garimpeiros, que resistia dentro do território, saiu de lá recentemente e foi para a Guiana”, complementa.
Por outro lado, explorar ouro continua sendo um negócio muito lucrativo. A cotação do metal no mercado internacional explodiu em 2024: valorização de 44%. Em abril, bateu recorde chegando a US$ 3.500,10 (R$ 20.300) por onça (3,1 gramas).
A Repórter Brasil tentou contato com Roberto Katsuda e com Rodrigo Cataratas, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. O texto será atualizado se os posicionamentos forem recebidos.
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Empresário paulista recebeu medalha de ‘imbrochável’ de Bolsonaro
Roberto Katsuda ficou conhecido por revender retroescavadeiras usadas em garimpos no Pará e em Roraima, com pontos de venda localizados em cidades próximas às terras indígenas Kayapó, Munduruku e Yanomami – as mais devastadas pela exploração ilegal de ouro.
Em 21 de abril, ele publicou em seu perfil do Instagram uma série de imagens que documentam sua nova fase empresarial em solo guianense. Nas fotos e vídeos, ele aparece navegando por rios e percorrendo estradas de terra para chegar até áreas de garimpo.

“Cobra que não se arrasta não engole sapo”, escreveu em um dos posts, enquanto descrevia os trajetos. Em outro registro, ironizou: “Tô longe da minha casa no Jardins (bairro nobre de São Paulo), bora vender escavadeiras. Aqui, quem toma leite de caixinha a mal”.
Katsuda inaugurou recentemente uma revenda da sua empresa, a BMG Máquinas, em Georgetown, a capital da Guiana. A expansão dos negócios ocorre após a Hyundai ter rompido, em maio de 2023, o contrato de representação após denúncias de que equipamentos comercializados pelas concessionárias do empresário paulista eram usados no garimpo ilegal em Terras Indígenas. Apesar disso, em suas redes sociais, ele segue anunciando a venda de máquinas da Hyundai e de outra fabricante sul-coreana, a Doosan.
Após a publicação da reportagem, a Hyundai informou que trabalha junto às autoridades competentes para “aprimorar seu processo de vendas e adotar as medidas que estão ao seu alcance para coibir a utilização de seus equipamentos e máquinas em atividades de garimpo ilegal, ressalvadas as limitações de sua atuação como empresa privada”. A empresa, porém, não comentou os casos citados pela reportagem.
“Agradeço à classe garimpeira, pois são vocês que colocam comida na mesa da minha família”, disse o empresário, durante uma audiência na Câmara Municipal de Itaituba (PA), em 2019, acompanhada pela Repórter Brasil. Na ocasião, muitos presentes usavam camisetas com os dizeres “Garimpeiro não é bandido. É trabalhador”.

Em 2022, a Repórter Brasil identificou fabricantes de 17 equipamentos encontrados em atividades ilícitas e flagrados por fiscais do Ibama e ICMBio. O levantamento faz parte do relatório “A arma do crime – Como equipamentos agrícolas e de construção civil estão contribuindo para o desmatamento ilegal da Amazônia”. Segundo a investigação, a marca mais apreendida pelos fiscais do Ibama era a Hyundai – justamente a revendida pela família de Katsuda nas lojas da BMG.
Outro monitoramento, do Greenpeace do Brasil, registrou 176 escavadeiras operando nos territórios Yanomami, Munduruku e Kayapó entre 2021 e abril de 2023, dos quais 75 eram da empresa sul-coreana (42% do total). Poucos dias depois da publicação do documento, a Hyundai anunciou a suspensão da venda de escavadeiras no entorno dos territórios dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami. No entanto, ados seis meses do anúncio, uma reportagem da Folha de São Paulo constatou que os equipamentos seguiam à venda em Itaituba.
Katsuda foi citado ainda em relatórios da Polícia Federal na operação Narcos Gold, que investiga a lavagem de bilhões de reais em ouro de origem ilegal. O empresário também teve seu nome associado à MI do 8 de Janeiro, que apurou o financiamento de atos antidemocráticos no Brasil.
Baseados em relatórios da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), que apontavam o financiamento do empresário aos atos golpistas, os parlamentares pediram a quebra do sigilo bancário de Katsuda entre junho de 2021 e agosto de 2023. O empresário, contudo, não figurou entre os 61 nomes indiciados pela MI ao fim dos trabalhos.
Em dezembro de 2023, Katsuda recebeu pessoalmente do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a medalha simbólica com três “is” (“imorrível, incomível e imbrochável”), usada pelo ex-presidente para homenagear aliados políticos e empresários simpáticos às suas pautas. O jogador de futebol Neymar e o presidente da Argentina, Javier Milei, já receberam a mesma distinção.

Réu em vários processos leva escavadeiras para Guiana
Outro empresário investigado por garimpo ilegal que decidiu cruzar a fronteira é Rodrigo Martins de Mello, o Rodrigo Cataratas. Coordenador do movimento “Garimpo é Legal”, ele foi candidato a deputado federal em 2022 pelo PL. À Justiça Eleitoral, declarou um patrimônio de R$ 33,5 milhões, incluindo R$ 4,5 milhões em dinheiro vivo.
Cataratas é réu em cinco processos na Justiça Federal em Roraima relacionados ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Além disso, foi indiciado pela Polícia Federal por usurpação de bens da União (ouro e cassiterita) e é acusado de lavagem de dinheiro. Três de suas aeronaves foram apreendidas.
O empresário também é apontado pela PF como o financiador dos ataques contra veículos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) em Roraima em setembro de 2021, vistos pelas autoridades como retaliação a operações de combate ao garimpo. Ele também foi preso em flagrante em setembro de 2022, acusado de compra de votos durante sua campanha.
Diante das investigações no Brasil, Cataratas abriu uma empresa de mineração de ouro na Guiana. Postou vários vídeos em que transporta uma escavadeira de 90 toneladas pela BR-401 em direção à Guiana.
Chegou, inclusive, a pagar pela publicação de uma matéria no site do jornal Folha BV com o título “Com coragem e ação, empresário transporta escavadeira de 90 toneladas rumo à Guiana e viraliza nas redes”. A publicação, indicada como conteúdo patrocinado, estampa uma foto de Cataratas com uma camisa com a bandeira do Brasil, segurando a bandeira da Guiana à frente da escavadeira rebocada.
Em outras postagens no Instagram e vídeos obtidos pela reportagem, Cataratas exibe reuniões com autoridades locais, como o ministro Anand Persaud e o diretor da Comissão de Geologia e Minas, Jacques Foster. As imagens mostram o empresário apresentando projetos de mineração e fechando acordos para explorar ouro no interior guianense.
Segundo postagens do próprio Cataratas em rede sociais, o projeto envolve investimento de US$ 10 milhões e emprega 200 trabalhadores. “Vivemos tempos em que é essencial defender valores, apoiar quem trabalha de verdade e buscar soluções reais para todos”, escreveu Cataratas.
Nos últimos cinco anos, Cataratas recebeu dez multas do Ibama por infrações ambientais – somadas, chegam a R$ 12,2 milhões. Toda vez que recebe uma notificação de infração, ele grava um vídeo para suas redes sociais e desafia os seguidores a adivinhar o valor da multa. Quem acertar ganha um pix de R$ 100.
Guiana enfrenta pressão crescente da mineração
Em regiões como Roraima, o garimpo é parte da identidade de quem vive ali. Para muitos, explorar o subsolo é visto como direito natural, um sinal de bravura diante do abandono do Estado.
“O adjetivo mais usado para se referir ao garimpeiro nas redes sociais é ‘trabalhador’”, aponta o pesquisador Pedro Henrique Barbosa da Silveira, da Faculdade Cásper Líbero, autor de uma dissertação de mestrado sobre a construção do discurso pró-garimpo no estado.
Essa narrativa é alimentada todos os dias nas redes sociais, onde garimpeiros, como Cataratas, se promovem como heróis injustiçados e a mineração ilegal é romantizada como sinônimo de liberdade e resistência. Nesse ambiente, a defesa do garimpo se mistura a ataques contra indígenas, ONGs e órgãos ambientais, retratados como obstáculos ao progresso.
Em fevereiro, Cataratas postou um vídeo gravado no Ministério dos Recursos Naturais da Guiana, exibindo uma galeria de fotos na antessala do ministro com imagens em preto e branco de garimpos.“O que no Brasil é degradação aqui é desenvolvimento”, disse.
Com 780 mil habitantes, a Guiana, antiga colônia britânica independente desde 1966, preserva mais de 80% de sua cobertura florestal, mas enfrenta pressão crescente da mineração artesanal e industrial.
O setor mineral representa 45% das exportações guianenses. A mineração em terras indígenas é legalizada mediante acordo com as comunidades locais. A prática, no entanto, é criticada por organizações indígenas, que denunciam falta de consulta adequada e violação de direitos.
Por e-mail, uma representante da embaixada da Guiana no Brasil disse que não tem informações sobre o assunto, mas que entraria em contato com autoridades em Georgetown para providenciar uma resposta. Até o fechamento desta reportagem, o posicionamento não havia sido enviado.
* Nota da redação: Esta reportagem foi atualizada em 30 de abril de 2025 para acrescentar o posicionamento da Hyundai.
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