Empresa de café que entrou na Lista Suja teve certificação renovada após flagrante

Em junho de 2022, 7 trabalhadores foram vítimas de trabalho escravo na Fazenda do Ouro, uma das propriedades da Fazendas Klem Importação e Exportação de Café; mesmo após o flagrante, a empresa voltou a obter o selo de boas práticas da Rainforest Alliance
Por Poliana Dallabrida | Edição Bruna Borges
 11/04/2025

A EMPRESA MINEIRA FAZENDAS KLEM Importação e Exportação de Café é uma dos 20 produtores de café incluídos na Lista Suja do trabalho escravo, atualizada pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) nesta quarta-feira (9). 

Em junho de 2022, sete trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em Manhumirim, Minas Gerais. As vítimas colhiam café na Fazenda do Ouro, uma das propriedades da companhia. 

A família Klem é dona de cafezais na região da Zona da Mata Mineira e realiza a venda direta de grãos para clientes no exterior. 

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Certificações 

Em outubro de 2022, uma reportagem publicada pela Repórter Brasil mostrou que a Fazendas Klem Importação e Exportação de Café tinha o selo da  Rainforest Alliance, uma das principais certificadoras globais de critérios socioambientais em produtos agrícolas.

À época do resgate, a Rainforest Alliance afirmou que a propriedade rural flagrada com trabalho escravo não era a mesma fazenda da empresa para a qual o selo havia sido concedido. De acordo com a entidade, a área certificada ficava localizada em Luisburgo, município a 31 km de onde ocorreu o flagrante.

Mesmo após o caso, a certificação da Fazendas Klem Importação e Exportação de Café foi renovada pela Rainforest Alliance, em maio de 2024. A certificação teria validade de um ano. 

Na última quarta (9), depois do contato da reportagem e da publicação da Lista Suja, a Rainforest Alliance afirmou à Repórter Brasil que “uma vez que o detentor de certificado foi incluído na Lista Suja, o mesmo perde o certificado a partir da data de sua inclusão neste cadastro”. A organização explicou que uso de trabalho análogo à escravidão é uma violação grave das regras da certificação. “O desrespeito aos direitos trabalhistas nunca foi – e nunca será – tolerado pela Rainforest Alliance”, diz trecho da nota (leia na íntegra aqui).

A Fazendas Klem também possui certificação da USDA Organic, o selo de orgânicos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Segundo a plataforma da USDA Organic, a certificação foi garantida em dezembro de 2023. Assim como no caso da Rainforest Alliance, o selo foi concedido após o flagrante de trabalho escravo em uma das propriedades da companhia mineira. 

A Fazendas Klem afirmou que a autuação istrativa que resultou na sua inclusão no cadastro do MTE ainda está em discussão na Justiça, “motivo pelo qual não há, até o momento, qualquer decisão transitada em julgado que reconheça a prática de condição análoga à de escravo em nossas propriedades”. 

A empresa contesta a “suposta caracterização dos fatos narrados” e afirma que o caso envolveu 7 trabalhadores de um grupo formado por cerca de 100 que “exerciam as mesmas atividades, nos mesmos locais, no mesmo período e com as mesmas condições laborais à época”. A empresa afirma ainda que vem colaborando com as autoridades competentes, revisando processos internos e ampliando a fiscalização sobre suas frentes de trabalho. Leia aqui o posicionamento na íntegra.

A certificação USDA Organics foi procurada pela Repórter Brasil, mas não respondeu aos questionamentos enviados até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações futuras.

Certificações precisam ser participativas

Para Fernanda Drummond, assessora de defesa dos direitos socioambientais na organização Conectas, as certificadoras não deveriam diferenciar áreas com e sem selo de boas práticas de um mesmo produtor. “As certificadoras têm que aumentar o controle. A certificação não pode ser concedida se não englobar todas as propriedades”, opina.

Existem dois riscos associados à certificação de apenas parte de um área de um mesmo grupo econômico, explica Drummond. A primeira é a lavagem do produto: quando a colheita de uma área não certificada é misturada à da produção da área certificada. O segundo risco é a divisão intencional, em diferentes pessoas jurídicas, de fazendas com irregularidades trabalhistas daquelas com certificação. “Todo o tipo de burla ou de fraude no sistema é muito bem planejado e delineado”, avalia.

Drummond afirma que a falta de participação de atores da sociedade civil no processo de certificação dificulta o monitoramento de irregularidades em propriedades com selos de boas práticas. “Se não vermos esse monitoramento, essa transparência e esse processo mais participativo, é muito fácil que essa burla continue, porque quem monitora não tem o às informações e não pode denunciar”, conclui.

Alojamento utilizado pelos trabalhadores da Fazenda Ouro, uma das propriedades da Fazendas Klem Importação e Exportação de Café (Foto: MTE)

Condições de trabalho

As vítimas resgatadas – quatro homens e três mulheres – haviam começado o trabalho no dia 21 de junho de 2022. O grupo saiu de Caetanos, na Bahia, a 830 km de Manhumirim.

Na propriedade, os resgatados não receberam botas, luvas ou outros equipamentos de segurança para trabalhar, segundo o relatório de fiscalização, ao qual a Repórter Brasil teve o. 

Quarto usado pelos trabalhadores resgatados na fiscalização de fazenda de café (Foto: MTE)

Como não havia banheiros nos cafezais, os trabalhadores realizavam suas necessidades fisiológicas no mato. O grupo tampouco dispunha de um abrigo para proteção contra sol e chuva ou para realizar as refeições na lavoura. 

No alojamento, não havia onde armazenar os alimentos. O vaso sanitário não tinha descarga. “A água era armazenada em uma caixa de amianto, suja e sem nenhum laudo comprovando a sua potabilidade”, diz trecho do relatório. 

Todos trabalhavam na informalidade, sem o registro formal do contrato de trabalho.

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Alojamento onde estavam os trabalhadores de fazenda de café tinha sujeira e restos de animais no quintal (Foto: Ministério do Trabalho e Emprego)
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