QUATRO PRODUTORES que integravam a Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé), a maior cooperativa de café arábica do mundo, tiveram seus nomes incluídos na Lista Suja do trabalho escravo, atualizada pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) no último dia 9. Os cafeicultores foram incluídos no cadastro após a fiscalização identificar um total de 36 trabalhadores, entre eles um adolescente, submetidos a condições análogas à escravidão em propriedades de Minas Gerais.
As fiscalizações trabalhistas nas propriedades de cooperados da Cooxupé ocorreram entre junho de 2023 e julho de 2024. Nos quatro casos, o MTE identificou que os trabalhadores atuavam sem registro formal de trabalho, viviam em alojamentos precários e não tinham o a água potável.
A Cooxupé informou, por meio de nota, que, ao tomar ciência da publicação da Lista Suja, fez o bloqueio preventivo dos cooperados listados, a “interrupção imediata” do recebimento de café das propriedades envolvidas e a “segregação de eventuais lotes em estoque, buscando assegurar rastreabilidade e integridade dos produtos fornecidos aos clientes”. Leia aqui a nota da Cooxupé na íntegra.
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Em 2024, a cooperativa registrou o maior faturamento de sua história: R$ 10,7 bilhões. Das 6,6 milhões de sacas de café recebidas pela cooperativa no ano, 80% foram exportadas. Com esse volume, a Cooxupé foi responsável por 10% das exportações brasileiras do grão no período.
Adolescente colhia café descalço
Nos sítios Córrego do Jacu e Paquera, em Juruaia (MG), um adolescente de 16 anos colhia café descalço no momento da fiscalização, de acordo com o relatório do MTE, ado pela Repórter Brasil. Levado por um intermediador de mão de obra, ele saiu de Chapada do Norte, na região mineira do Vale do Jequitinhonha, a cerca de 850 km do local inspecionado.
Aos auditores fiscais do Trabalho, o adolescente contou ter recebido ordens para ficar apenas na fazenda, por ter menos de 18 anos. Ele, entretanto, foi até a cidade sem autorização e ou a ser penalizado, sendo colocado para colher sozinho e sem o a uma máquina derriçadeira, que facilitaria a colheita, segundo relato incluído no relatório.
Os dois sítios, de propriedade do cafeicultor Marcos Florio de Souza, foram inspecionados no dia 17 de junho de 2024. À época do flagrante, a Repórter Brasil mostrou que o produtor era cooperado da Cooxupé. Além do adolescente, foram resgatados outros cinco trabalhadores.
O grupo relatou à fiscalização que chegou a trabalhar sem água para beber, porque não havia reposição nas frentes de trabalho. Em uma ocasião, eles tiveram um acidente com as térmicas que carregavam para o campo e ficaram sem ter o que tomar durante toda a jornada de trabalho, que se estendia das 7h às 17h30.
A Repórter Brasil tentou contato com Marcos de Souza, por meio de sua advogada, mas não houve um posicionamento até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações futuras.
Dois meses sem salários
No mesmo dia da inspeção nos sítios Córrego do Jacu e Paquera, auditores fiscais do Trabalho resgataram outros 11 trabalhadores no Sítio Cachoeirinha, em Nova Resende (MG). O grupo colhia café para o produtor Vagner Freire da Silva, também cooperado da Cooxupé no momento do flagrante.
Segundo o relatório de fiscalização, os trabalhadores estavam há dois meses sem receber salários completos.
As denúncias de violações trabalhistas nas propriedades de Vagner da Silva e do produtor Marcos de Souza foram feitas ao MTE pela Adere-MG (Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais). “A denúncia chegou por pedido de ajuda dos próprios trabalhadores”, afirma Jorge Ferreira dos Santos Filho, coordenador da Adere-MG. “A microrregião de Guaxupé, um pouco além do entorno da Cooxupé, é uma região com muita violação de direito, informalidade, que recebe muita mão de obra de fora, de forma ilegal, sem respeitar qualquer direito dos trabalhadores”, complementa.
Por meio de sua advogada, Vagner da Silva informou que “discorda da conclusão quanto à caracterização de trabalho em condições análogas à escravidão, pois entende que os elementos presentes na fiscalização não se enquadram nos critérios legais para tal definição” e que os trabalhadores atuavam de forma sazonal. Esclareceu, ainda, que foi bloqueado pela Cooxupé logo após a fiscalização. Leia as respostas na íntegra aqui.
Trabalhadores dormiam ao lado dos bezerros
No Sítio Barra Doce, de Leandro Aparecido Machado em Altinópolis (MG), cinco trabalhadores foram resgatados de condições análogas a escravidão em 10 de junho de 2024.
O documento aponta que quatro trabalhadores estavam alojados em uma casa junto a um curral, onde viviam também bezerros. Uma janela improvisada dava no espaço onde estavam os animais. “Aquilo ali é desfazer da pessoa. É ser tratado como bicho”, desabafou um dos resgatados, em entrevista à Repórter Brasil. “Eu fiquei desacreditado quando eu cheguei lá. A gente pensa que nunca vai ar por uma situação daquela. A pessoa se sente humilhada”.

Ele contou que há três anos deixava a Bahia para trabalhar em Minas Gerais na época da colheita, mas nunca havia vivenciado uma situação tão difícil. Explicou também que gastou cerca de R$ 2 mil, entre agem, compra de mantimentos e equipamentos de proteção.
Sacos e panos eram alguns dos equipamentos usados na colheita que os trabalhadores tinham que custear do próprio bolso. O relatório de fiscalização aponta que o empregador, “mesmo com os benefícios que conseguia como cooperado da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé”, adquiria os “sacos e panos necessários à colheita e os revendia aos trabalhadores”.
Por meio de sua advogada, Leandro Machado informou que “reconhece que ocorreram falhas de natureza contratual, sobretudo no que tange à formalização dos vínculos de trabalho”, mas “tais irregularidades ocorreram em um contexto onde os trabalhadores, em sua maioria, atuavam como safristas, prestando serviços também para outros produtores rurais”. Ele também esclareceu que foi bloqueado pela Cooxupé, logo após a fiscalização. Leia a resposta na íntegra aqui.
Mulheres trabalhavam sem banheiros
Na Fazenda Ouro Verde, em Carmo do Rio Claro (MG), Lene Francisco Vilela da Silva foi autuado por submeter 14 trabalhadores a condições análogas à escravidão em 28 de junho de 2023.
O grupo vivia em alojamento com frestas nas paredes, segundo o relatório do MTE sobre o caso. Ainda de acordo com a fiscalização, eles tentaram improvisar um quarto dividindo a sala com lonas. Não havia armários no local e seus pertences ficavam espalhados ou pendurados em arames improvisados e presos às paredes.
Ainda de acordo com os fiscais, a janela da cozinha estava coberta por um plástico e, nas plantações, não havia instalações sanitárias. “Foi tão difícil que eu não gosto nem de lembrar”, contou à Repórter Brasil uma das trabalhadoras resgatadas. Ela explicou que, durante o período menstrual, as dificuldades – e os constrangimentos pela situação – eram ainda maiores para as mulheres. “A pior parte era essa”.
A trabalhadora afirmou que dividia um quarto com outras três pessoas, entre elas um homem. Depois do resgate, ela afirma ter se sentido ameaçada pelos empregadores. “Eu sentia muito medo. Só queria ir embora para a minha terra”. Para trabalhar na colheita, deixou na Bahia uma filha de nove anos. “Eu pensava nela… Esse ano não vou voltar, não”.
A reportagem tentou contato com Lene da Silva por e-mail e pelo seu advogado, porém não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestações futuras.
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