NA MESMA SEMANA em que Brasília (DF) recebe o ATL (Acampamento Terra Livre) 2025, mobilização de povos indígenas de todo o país por direitos e políticas públicas, o coletivo audiovisual Daje Kapap Eypi lança o documentário “MUNDURUKÜYU – a floresta das mulheres peixes” no “É Tudo Verdade”, o principal festival do gênero na América Latina.
Em 2022, o coletivo formado por jovens da Terra Indígena Sawré Muybu, no sudoeste do Pará, lançou um mini documentário em parceria com a Repórter Brasil.
A nova produção gira em torno da mitologia Munduruku e conta a história de mulheres peixes munidas de câmeras de cinema para proteger a Amazônia das forças que destroem a floresta.
Em entrevista à Repórter Brasil, Rilcelia Akai Munduruku, uma das diretoras do documentário, fala sobre o processo de criação e da importância de resgatar as histórias tradicionais do seu povo.
“Em meio de tantos projetos, de tantos ataques que tivemos, veio a ideia de criar um filme que fala da mitologia, que diz onde o rio, a floresta, os peixes, os animais um dia foram nossos anteados”, afirma Rilcelia.
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O filme destaca como a luta pela defesa do território se entrelaça com a mitologia dos povos indígenas.
“Tudo que hoje a gente defende, tudo que hoje a gente luta para preservar, um dia foram nossos parentes. Então, essa foi a ideia de levar ao público, dizer que um dia nós fomos animais, nós fomos floresta, nós fomos rios, e hoje nós estamos aqui para defender nossos parentes”, complementa a diretora.

Para Rilcelia, o audiovisual e as redes sociais são ferramentas fundamentais de resistência e defesa dos territórios indígenas. Ela também ressalta o protagonismo das mulheres nessa luta.
“Nós, como mulheres, que somos mães, estamos sempre na linha de frente junto com nossos guerreiros, com nossos caciques, com nossas lideranças maiores, para trilhar essa luta e batalhar junto com eles”, explica.
A juventude indígena também tem um papel essencial, segundo Rilcelia.“Nós não podemos desistir em nenhum momento da nossa luta, que nós não podemos nos escalar, que nós não podemos nos vender, que nós não podemos nos intimidar contra grandes impactos que vêm para dentro do nosso território”, afirma.
“Devemos ser fortes, seguir firme, e cada dia viver para defender o que tudo já é sagrado para nós, povos originários, que dependemos do nosso meio ambiente, do nosso lugar sagrado”, finaliza.
Indígenas protestam contra o marco temporal em Brasília
Na mesma semana em que o documentário foi exibido pela primeira vez, milhares de indígenas de todo o país ocupam Brasília para a 21ª edição do ATL, realizada entre os dias 7 e 11 de abril. Anualmente, o acampamento reúne diversas etnias em defesa dos direitos dos povos originários.

Neste ano, a principal pauta do ATL é o protesto contra a Lei 14.701/23, conhecida como “marco temporal”. A tese determina que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Para a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), a tese é inconstitucional e representa uma grave ameaça aos direitos territoriais.
Rilcelia segue a mesma linha. “A aprovação do marco temporal é uma violação de direitos contra nós, povos indígenas e originários, que dependemos dos nossos territórios para sobreviver”, afirma.
Diante da aprovação da nova lei pelo Congresso Nacional, o STF (Supremo Tribunal Federal) criou, em agosto de 2024, uma câmara de conciliação com lideranças indígenas, representantes de ruralistas e autoridades públicas. Naquele mesmo mês, no entanto, a Apib se retirou da mesa.
Cerca de duas semanas antes do acampamento, indígenas Munduruku bloquearam a BR-230, em Itaituba, no Pará, em protesto contra o marco temporal. A rodovia ficou interditada por 14 dias e só foi liberada após o agendamento de uma audiência pública com o ministro Gilmar Mendes.
“Eles [lideranças do povo Munduruku] estão a caminho de Brasília e dia 15 vão ser recebidos pelo Gilmar Mendes para falar sobre o marco temporal. Então, a gente tá ansioso esperando alguma resposta dessa reunião”, explica Rilcelia.
Em entrevista à Repórter Brasil no fim de março, Maurício Terena, advogado indígena da Apib e do Conselho do Povo Terena, criticou a suprema corte brasileira. “Na medida em que o STF age de maneira política, ele estimula uma permissividade para que esses processos de violência e espoliação nos territórios tradicionais ocorram”, afirmou.
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