O Ministério da Saúde apagou de seu site dois links com protocolos que recomendavam o uso de cloroquina e hidroxicloroquina como “tratamento precoce” para a Covid-19. A decisão foi tomada após a Repórter Brasil revelar que os dois links continuavam ativos, mesmo após a pasta ter retirado as recomendações de sua página principal. A pasta afirmou também que será realizada nesta quinta-feira (13) reunião para definir as novas diretrizes de tratamento para a Covid na rede pública.
Um dos links com as orientações constava na versão antiga do site do ministério – que seguia no ar, apesar da criação de uma nova página oficial no ano ado. Já o outro link estava disponível no site da UNA-SUS, a plataforma de capacitação de profissionais do Sistema Único de Saúde. Os dois links foram desabilitados pela pasta na noite de segunda-feira (10), cerca de 3 horas após a publicação da reportagem.
Durante a I da Covid, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga chegou a dizer que não existia uma protocolo de cloroquina no SUS, mas “uma orientação” – o que, para especialistas, é a mesma coisa. “Esse tipo de documento [nota informativa com o título de ‘orientações’] é muito comum e é compreendido como um protocolo de manejo de determinadas doenças”, diz Fernando Aith, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa), da Faculdade de Saúde Pública da USP.
No site da UNA-SUS, por exemplo, a recomendação pró-cloroquina estava disponível juntamente a outros documentos que orientam os profissionais sobre como proceder na pandemia e como tratar pacientes com a doença.

O ministério informou, via assessoria de imprensa, que as recomendações não estão mais válidas. Porém, a pasta não comentou se irá revogar o documento oficialmente. Embora não esteja mais disponível no site do ministério, especialistas entendem que as orientações continuam válidas, já que não foram formalmente revogadas.
Em depoimento à I na semana ada, ao ser questionado por que ainda não havia revogado “o protocolo que inclui a cloroquina no arsenal terapêutico contra a Covid”, Queiroga respondeu: “Porque não há protocolo. O que há é uma orientação que foi feita em 2020, e nós vamos substituir pelo protocolo clínico, que é o que determina a lei”.
A Repórter Brasil questionou Queiroga, por meio da assessoria de imprensa do ministério, se ele havia mentido na I ao dizer que não havia protocolo de cloroquina no SUS, mas não houve resposta. A pasta informou que a nota havia saído do ar para atualização, entretanto, tinha ignorado os links ativos identificados pela reportagem.
O Ministério da Saúde informou que a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) vai se reunir nesta quinta-feira (13) para definir as diretrizes para tratamento da Covid-19 no SUS. Mais de um ano após o início da pandemia e com mais de 425 mil mortes pela doença, a comissão irá avaliar documento elaborado por especialistas de hospitais, universidades e sociedades médicas. Será avaliado também se a rede pública irá adotar a combinação dos medicamentos casirivimabe e imdevimabe, além do ECMO (Oxigenação por membrana extracorporal), disponível hoje apenas em hospitais particulares. A pasta não comenta se a cloroquina ou a hidroxicloroquina serão tema de discussão na Conitec.
Insistência na cloroquina
O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, confirmou na terça-feira (11) à I da Covid que participou de uma reunião no Palácio do Planalto, ainda na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, em que se discutiu a edição de um decreto presidencial para alterar a bula da cloroquina, para ser usada contra a Covid.
Segundo Torres, ele explicou que apenas as fabricantes do remédio poderiam solicitar a mudança da bula, desde que apresentassem documentos que comprovassem a eficácia da cloroquina ou da hidroxicloroquina contra a Covid, o que nunca aconteceu.

Mandetta e o seu sucessor, Nelson Teich, deixaram o comando da Saúde por divergências com o presidente Jair Bolsonaro envolvendo a prescrição dessas medicações para a doença. A recomendação foi então publicada em 20 de maio de 2020, cinco dias após o general Eduardo Pazuello assumir interinamente o comando da pasta.
A nota informativa fazia recomendações de dosagens de cloroquina e hidroxicloroquina para pacientes com quadro leve, moderado e grave da doença, incluindo gestantes e crianças. Citando um artigo que nunca atestou a eficácia desses medicamentos, a nota foi atualizada várias vezes depois da publicação para acrescentar novas recomendações. No entanto, não foi modificada para esclarecer que, em outubro, a OMS descartou qualquer benefício no uso desses remédios para tratar Covid.